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Climacídio

  • Foto do escritor: Instituto TJNS
    Instituto TJNS
  • 4 de nov.
  • 5 min de leitura

Por Pamela Mércia – Fundadora do Instituto Todos Juntos Ninguém Sozinho (TJNS).

Um novo conceito nasce da interseção entre pesquisa, vivência e urgência: o Climacídio.Formulado pela pesquisadora e ativista Pamela Mércia, mulher negra, fundadora do Instituto Todos Juntos Ninguém Sozinho (TJNS), o termo surge como resposta à necessidade de dar nome às mortes provocadas pela omissão do poder público diante das mudanças climáticas.


O conceito foi apresentado e aprovado em 19 de setembro de 2025, durante a defesa da monografia “Racismo Ambiental em Petrópolis e a Falta de Políticas Públicas Pós-Tragédias: análise após as chuvas de 2022, por que sempre os mesmos?”, no Curso de Especialização em Direitos, Desigualdade e Governança Climática da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sob orientação das professoras Daiane Batista e co-orientação de Camila Serena.


19 de setembro de 2025 - Salvador - Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.
19 de setembro de 2025 - Salvador - Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.

BANCA AVALIADORA Me. Emerson Serra Dr. Danielson Delgado Orientadora: Daiane Batista



O nascimento do conceito

O Climacídio surge de uma pesquisa situada em Petrópolis (RJ), uma das cidades mais vulneráveis do país a eventos climáticos extremos, segundo o CEMADEN. A tragédia de 2022, que matou 242 pessoas, escancarou um padrão de negligência estatal. Documentos oficiais, como o Plano Municipal de Redução de Riscos (2017), já apontavam as áreas de maior perigo, mas nenhuma obra preventiva foi executada antes das chuvas. As intervenções só começaram após as mortes, prova de uma omissão consciente.


A pesquisa analisou documentos municipais e estaduais (2014–2025) e cruzou dados técnicos com os relatos sistematizados pelo Instituto TJNS, que registrou as experiências e dores das pessoas atingidas. O estudo revelou que as áreas de risco alto e muito alto são habitadas majoritariamente por pessoas negras e de baixa renda, evidenciando o caráter estrutural do racismo ambiental em Petrópolis.


Dessa constatação nasceu uma urgência ética e política para dar nome ao que estava acontecendo. As mortes de 2022 não foram tragédias naturais, mas mortes evitáveis, resultado de um processo histórico de omissões sucessivas do poder público, que, ao longo de diferentes gestões, ignorou alertas, estudos e mapeamentos disponíveis há anos.

Essa negligência institucional, repetida no tempo e nas administrações, precisava ser nomeada. Esse nome é Climacídio.


O que é o Climacídio?


É a morte climática evitável, resultado direto da omissão consciente do Estado diante de eventos climáticos extremos — enchentes, deslizamentos, secas, ondas de calor, tempestades — intensificados pela crise climática global. O termo combina "clima" e o sufixo "-cídio" que significa morte ou extermínio.

Mais que uma palavra, é uma categoria analítica, política e jurídica que denuncia a decisão institucional de não proteger vidas, mesmo quando os riscos são conhecidos, estudados e amplamente mapeados. O Climacídio tem responsáveis, territórios e vítimas.


O conceito evidencia que o Climacídio se manifesta em diferentes temporalidades, revelando um ciclo contínuo de negligência estatal:

Antes dos eventos, pela falta de planejamento urbano, realocação de famílias para locais seguros, medidas preventivas e obras estruturantes. No caso de Petrópolis, os mapeamentos de risco já estavam disponíveis desde 2017, por meio do Plano Municipal de Redução de Riscos, que identificava as áreas mais vulneráveis cinco anos antes da tragédia de 2022. Mesmo com essas informações, nenhuma ação preventiva efetiva foi implementada.

Durante os eventos, quando os riscos já são conhecidos, o poder público falha novamente, a resposta emergencial é tardia e insuficiente. Locais mapeados como de alto risco deveriam estar previamente preparados com pontos de apoio equipados com geradores, colchonetes, itens básicos e equipes de socorro capacitadas. No entanto, a ausência de estrutura e planejamento demonstra que as autoridades sabiam dos riscos, mas não se prepararam para enfrentá-los, resultando em perdas humanas que poderiam ter sido evitadas.

Após os eventos, a falha se mantém. Mesmo diante do conhecimento prévio da iminência das tragédias, os serviços de acolhimento psicológico, assistência à saúde e acesso a benefícios de moradia permanecem ineficientes. As famílias atingidas enfrentam o abandono institucional, o que prolonga o sofrimento e o adoecimento físico e mental, além de romper vínculos comunitários e modos de vida locais.


Assim, o Climacídio denuncia a naturalização das tragédias climáticas e o apagamento das estruturas históricas que as tornam recorrentes. Inspirado em conceitos como genocídio, necropolítica e racismo ambiental, propõe uma nova lente para compreender a morte produzida pela falta de políticas de prevenção, adaptação e reparação.


A diferença entre Racismo Ambiental, Ecocídio e Climacídio:

O Racismo Ambiental, formulado por Benjamin Chavis Jr. na década de 80, explica como populações racializadas e pobres sofrem de forma desigual os impactos ambientais.


O Ecocídio refere-se à destruição massiva do meio ambiente.


O Climacídio, por sua vez, nomeia a morte humana e comunitária provocada pela omissão estatal diante de eventos climáticos extremos.


Não trata apenas da degradação ambiental, mas da decisão institucional de não agir diante de riscos conhecidos. Trata-se de um conceito brasileiro e inédito, que amplia o debate global sobre justiça climática.


Por que o Climacídio importa:

O Climacídio rompe com a narrativa da fatalidade e afirma: as mortes causadas por eventos extremos climáticos podem ser evitadas.


Em Petrópolis, as tragédias se repetem há mais de um século. De acordo com o Memorial Petrópolis (https://www.memorialpetropolis.app/linhadotempo) Linha do Tempo, entre 1964 e 2024 há uma sequência quase ininterrupta de enchentes e deslizamentos, concentradas em maioria no primeiro distrito e territórios onde residem majoritariamente negros e periféricos, conforme o IBGE 2022. Esses dados revelam a seletividade da proteção pública, enquanto as áreas centrais recebem infraestrutura, as periferias vivem o luto permanente.


A pesquisa também demonstra que os Planos de Contingência de 2022 e 2023, elaborados pelo município, baseiam-se nas mesmas áreas mapeadas no Plano Municipal de Redução de Riscos (2017), sem apresentar medidas concretas de prevenção, como obras estruturantes como contenções e drenagem. Mas, os documentos mencionam apoios operacionais e financeiros a serem solicitados ao Estado e à União, o que revela uma lógica de que o poder público parte do pressuposto de que as tragédias irão ocorrer, e que ajuda externa será necessária, mas não apresenta medidas para evitá-las.


Ou seja, os planos não previnem, eles preveem. São o registro oficial de que o risco é conhecido, mas permanece sem resposta de prevenção a perdas e danos, apenas mitigação diante do desastre.


Assim como em Petrópolis, diversos municípios brasileiros reproduzem o mesmo padrão: dispõem de dados técnicos, relatórios e mapeamentos, mas optam pela inação. O Climacídio surge, portanto, como um conceito que desnuda a omissão institucional e exige responsabilização política, ética e jurídica, para que nenhuma vida mais seja perdida sob o pretexto da imprevisibilidade climática.


É uma ferramenta de denúncia e de possível tipificação jurídica, aplicável tanto na esfera administrativa — por negligência de gestores públicos — quanto na criminal, quando a omissão resulta em mortes e destruição de territórios.


Pamela Mércia - Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (2025).
Pamela Mércia - Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (2025).


1) Informações sobre as obras estruturantes realizadas em Petrópolis podem ser consultadas no Portal da Transparência da Prefeitura (https://web2.petropolis.rj.gov.br/transparencia/obras/). Os dados confirmam que, em um dos locais mais atingidos pela tragédia de 2022 — o Alto da Serra, no Morro da Oficina, já identificado como área de risco muito alto no Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) de 2017, as obras de contenção e drenagem só começaram após a tragédia, em 2022.

2) Os Planos de Contingência podem ser acessados no site oficial da Prefeitura de Petrópolis, na seção da Defesa Civil (https://www.petropolis.rj.gov.br/pmp/index.php/defesa-civil/planos-de-contingencia).

 
 
 

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